sexta-feira, 28 de maio de 2010

Flávio estava quase fechando o bar, perguntou o que ela faria agora.
Não sabia, não sabia pra onde iria, não sabia o que fazer, não sabia pra onde ir. Queria dormir, mas era orgulhosa demais para dormir na sua própria casa ou na casa de algum amigo, como Flávio estava oferecendo.
Com o bar fechado Ruth pegou o carro de novo, deu mais algumas voltas, no rádio tocava aquelas músicas que Mari tocava no violão, lembrava da voz dela, aquela voz delicada mas que ao mesmo tempo transmitia tanta certeza, tanta segurança para ela. Logo as lágrimas escorreram no seu rosto. Fazia tempo que ela não chorava, não demonstrava seus sentimentos, tinha de ser forte.
Encostou o carro numa rodovia, o álcool não a deixava dirigir, acabou pegando no sono ali mesmo, no carro, num lugar que não sabia onde era. Só queria sonhar, parar de pensar nisso tudo.

Mariana acordou com o telefone tocando, seu estômago roncava, não tinha forças para levantar.
O telefone parou de tocar, ela fechou os olhos novamente, foi a vez do celular vibrar.
Esticou a mão, pegou-o, não reconhecia o número, atendeu.
Do outro lado da linha era uma homem, tinha uma voz jovem que tentava parecer adulta, séria.
Eram 7 e meia da manhã, o homem perguntou se ela era parente de Ruth, seu corpo arrepiou inteiro, não estava entendendo, mas estava com medo.

-Sim, sou a mulher dela, algum problema?
-Mulher? -respondeu a voz, meio sem entender- Sinto informar, Ruth sofreu um acidente de carro, estava sozinha, achamos seu número no celular dela. Você pode vir até aqui?

Acidente? Como assim acidente? Agora de vez uma angústia tomou conta das emoções dela, seu corpo amoleceu, talvez tivesse caído se não estivesse deitada. Não podia ser verdade, Ruth nunca tinha se envolvido em um acidente, era muito cuidadosa no trânsito, simplesmente não podia ser verdade.
Estava sem palavras, o silêncio incrivelmente se apoderou do lugar, até a televisão que estava ligada desde o dia anterior parecia em silêncio.

-Mas, mas ela está bem? - Foi a única coisa que saiu no momento.

O moço não respondeu claramente, apenas insistiu na presença dela no hospital, passando o endereço.
Mari pegou um táxi, já não tinha mais unhas para roer, nem dedos para estralar, estava nervosa, assustada, angustiada, com medo. Só queria poder abraçar o amor dela naquele instante.
Chegou ao hospital, falou com a recepcionista.

-Você é parente?
-Sim.
-Qual o grau de parentesco?
-Somos casadas.
-Eh, desculpe, mas eu só posso liberar parentes de sangue ou o cônjuge mediante união civil.

O problema delas: tinham lutado tanto para conseguir a papelada, mas não tinha dado certo e estavam dando um tempo de tribunais.
Mari armou um barraco ali, não sairia sem ver Ruth, sem tocar nela, de jeito nenhum.
Conseguiu entrar, enganando os outros funcionários, estava preocupada demais para pensar em quão preconceituosos eles estavam sendo ali.
Passou-se por prima, conseguiu finalmente entrar no quarto onde estava Ruth.
Vê-la deitada ali naquela maca foi doloroso, sentiu-se tão inútil, porque não tinha sido ela ao invés da amada? Depois sentiu-se culpada, se não tivesse feito a besteira que fez Ruth não teria saído aquela noite, elas estariam embaixo no edredom assistindo um bom filme com uma boa taça de vinho.
Era tarde demais para culpa ou para remorso.

Chegou perto da maca, Ruth estava desacordada, tinha vários curativos nas partes do seu corpo que estavam à mostra, ficou ali parada, olhando para ela, sentindo uma vontade monstra de chorar, mas contendo, não queria estar com o olho mais inchado se Ruth acordasse ali.

O médico finalmente apareceu.
Aqueles óculos, o jaleco branco, o estetoscópio pendurado no pescoço e a prancheta na mão eram estranhamente assustadores.
Mais um profissional enganado, Mari se identificou como a única prima que Ruth tinha na cidade.

-Pelo amor de Deus doutor, ela está bem, não está?
-Está muito bem considerando a gravidade do acidente e o estado em que o carro ficou.
-Depois eu me preocupo com o carro e com o que aconteceu, quero que me diga como ela está.
-Bem, um braço e uma costela quebrados e vários hematomas espalhados pelo corpo, nada que a ponha em risco ou que você tenha que se preocupar.

Aquilo foi um alívio, mesmo sabendo quanto ela sofreria pelos dias que teria que ficar sem a academia, sem os jogos de vôlei e a dor que ela iria sentir, ela estava viva, ali, com saúde, era só isso que importava.

[Continua...]

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